sabato, marzo 24, 2007

O Voto de Nhanengue

De merenda na neneca, Nhanengue caminha no árduo solo da planície. Aquela tortuosa caminhada é-lhe familiar.

Já curva, pesam naqueles ombros flácidos os anos de vivências com as obrigações do sistema africano. Não tivera oportunidade para a livre escolha das melhores coisas da vida: o marido fora-lhe imposto pelos familiares. Os filhos foram aparecendo, teimosamente, como gotas em torneira avariada e o número já não o conhece ao certo; espalhou-os pelo mundo onde se procura a vida e ela ficou esquecida pelas circunstâncias do tempo.

Andando a uma velocidade rápida, ruma à aldeia Munhembete, onde a primeira oportunidade de escolher algo a espera. Na ponta da capulana, está enrolado em forma de cilindro o cartão do eleitor, que é nele onde a velha tem concentrada a sua mente de fumo.

Em Magul, pelas fendas abertas no solo pelos tempos de seca, nasce agora um verde-vivo, gozando a paz dos homens. A cacimba pinga cristalina no solo, abanada pelo vento matinal.

A velhota recorda, agora, os seus tempos de juventude. Dos búfalos e das manadas enormes. Naquele tempo, os rapazes realizavam campeonatos de pancadaria. Os mais valentes tinham como troféu as moças mais belas da aldeia.

"Éramos tão importantes!" Falava baixinho.A fila é longa junto à mesa eleitoral; Nhanengue vai perdendo forças, mas a esperança lhe faz aguentar. Está alegre e conta coisas dos tempos que já lá vão aos co-eleitores. Há festa em Munhembete!

Nhanengue arranja um canto e senta-se; tira um pedaço de mandioca da panelinha e começa a mastigar. Por causa da falta dos dentes, nota-se o trabalho que faz para comer; rumina lentamente, com o olhar fixo na lista dos candidatos colada num quadro próximo da mesa onde vai votar.

É a sua vez. Levanta-se vagarosamente e caminha a passos lentos rumo à mesa. O jovem, com o distintivo das eleições, molha o seu dedo com tinta vermelha. A velhota caminha em direcção ao quadro onde estão patentes as caras e os símbolos dos partidos. Uma lágrima teimosa rola pelo seu rosto. Pára diante do quadro e pinta com o dedo a cara de um dos candidatos.

- Não é aí vovó! - grita o presidente da mesa.

Nhanegue vira-se, lentamente, e fixa o olhar lacrimejante no homem que falara, Subitamente, roda sobre os calcanhares e cai pesadamente no solo.
Nhanengue morreu! Não teve a possibilidade de um dia escolher algo por vontade própria.

Junho de 1995 (Fernando Pedro in “Tantã, um tambor na neve”, Editora Ndjira, 1998)

A proposito de uma desgraca que esconde milhares de outras. Em memoria das vitimas da negligencia e indiferenca...